POLÍTICA
rafael lima
O que causa a eterna batalha entre os videntes e a Justiça brasileira?
Misticismo ou desonestidade? Uma arte sobrenatural ou uma ação criminosa? Fé à parte, de acordo com o Código Penal Brasileiro, os métodos adivinhatórios praticados por aqueles que são chamados de videntes podem ser considerados crime de estelionato. A pena, aliás, varia entre um a cinco anos de prisão. Sendo assim, se videntes podem ser, de acordo com a legislação, estelionatários, por que os denominados adivinhos não estão atrás das grades? A questão é um pouco mais delicada do que parece.
É importante esclarecer que o crime de estelionato é a ação de obter qualquer tipo de vantagem ilícita, para si ou para qualquer outra
pessoa, enquanto induz alguém ao erro, de forma que esse ato prejudique alguém.

Os desafetos muitas vezes vão dos consultórios das videntes aos tribunais
Outro fato importante é o de que os métodos adivinhatórios não têm base científica. Ou seja, até a publicação dessa matéria, a ciência não conseguiu provar que alguém tem a capacidade de prever o futuro. Sendo assim, não pode se garantir que, quando alguém paga por uma consulta com um cartomante, por exemplo, saberá de fato o que está por vir.
Porém, também é preciso lembrar que o Brasil é um país laico, ou seja, que deve ser imparcial em relação às questões religiosas, sem ir contra e nem apoiar nenhuma religião.
Um último lado que deve ser levado em consideração é o de que essas artes são consideradas “místicas” ou pelo menos sobrenaturais, tanto por quem pratica, quanto por quem usufrui dela. Sendo assim, essas práticas podem ser vistas como uma espécie de culto, de acordo com o advogado Bruno Silva. Ele explica que o dilema acontece justamente porque a liberdade de culto, prevista na constituição, impede que qualquer tribunal possa classificar a fé alheia como algo ilusório.
É a partir desses quatro fatos que se instala a polêmica entorno dos cartomantes.
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Aquele ‘capeta’ dizia que se eu não pagasse mais uma consulta, aí que eu ia morrer sem ter ela de volta. Nisso, eu pagava.
A modelo Thaíse, que prefere não revelar o nome completo, afirma se sentir enganada após ver a promessa feita por uma quiromante (profissional que lê mãos) não ser cumprida. A jovem de 22 anos tem uma gravação que mostra o momento em que a suposta vidente garantiu que Thaíse seria aprovada em uma vaga de emprego, naquela mesma semana. “Eu não passei na entrevista e me senti lesada. Vi que não dá pra acreditar nessas coisas. Até tentei levar [o caso] para o tribunal, mas não adianta. Deixei pra lá”, reclama a modelo.
O acreano Márcio Nunes chegou a processar uma vidente por danos morais. Ele pagou pelos serviços da taróloga por pelo menos 8 meses, com o objetivo de reatar com a ex-esposa. A taróloga teria se aproveitado da fragilidade psicológica do publicitário e feito até ameaças. “Aquele ‘capeta’ dizia que se eu não pagasse mais uma consulta, aí que eu ia morrer sem ter ela de volta. Nisso, eu pagava, né”. A ação judicial também não foi muito longe, já que Nunes não teve como provar a intimidação. Márcio, hoje casado com uma nova companheira, com quem já teve dois filhos, agora consegue se divertir com a história. “A gente releva, né. Minha avó sempre dizia que guardar rancor só faz mal pra gente, nunca pro outro. Tem que aprender a perdoar. É melhor”, afirma sorrindo.
A cartomante Patricia Souza, mais conhecida como Sensitiva Patricia, pratica tarôt desde os 13 anos e afirma que “não dá pra ir em qualquer sensitivo e esperar que o resultado seja bom. Tem que encontrar alguém de confiança”. Hoje ‘aposentada’, Patricia só lê o futuro de pessoas próximas a ela, de graça. “Dá muita dor de cabeça”, ela diz. “As pessoas pagam e querem que você diga que tudo vai dar certo. Quando você diz a verdade, que não vai dar, elas se irritam”.
Ainda assim, a autodenominada Sensitiva afirma que o mundo das cartas é “puro e verdadeiro”. Ela acredita que não se pode proibir toda uma cultura de praticar seus costumes por causa de uma minoria que se aproveita das artes místicas para enganar os outros. “Tem muita gente ruim, mas a gente boa é maioria”, diz Patricia.

O LADO JURÍDICO
Para Bruno Silva, o ponto de vista da Sensitiva Patricia é um dos pilares da liberdade de culto. “Como não se pode provar que [os métodos adivinhatórios] não funcionam, somos obrigados a levar em consideração que existe a possibilidade de eles funcionarem, de alguma forma”, reflete o advogado. “Eu, por exemplo, sou católico, mas não posso provar muita coisa do catolicismo cientificamente. É fé. Por isso a liberdade de culto é importante. Se a pessoa se sente disposta a desembolsar dinheiro no que ela acredita, que ela faça isso. Desde pequeno eu escuto que se eu não for uma boa pessoa, não vou para o céu. Existe a possibilidade de o céu não existir e eu estar sendo enganado por quem colocou essa ideia na minha cabeça? Existe. Sendo assim, a religião católica também estaria ludibriando seus seguidores. E por que só os praticantes desses misticismos poderiam ser processados por estelionato ou danos morais?”, questiona o advogado, fazendo um paralelo entre a lei e sua vida pessoal.
Entre vários motivos, o embate travado pelos que defendem que a prática é crime de estelionato e os que apoiam a liberdade de culto permanece. “No fim das contas, a única coisa da qual os cartomantes não devem estar protegidos por lei é por sujar os postes, colando aqueles cartazes, né? Vou mandar umas fotos dos cartazes daquela mulher pro juiz. Quem sabe assim ela é presa”, brinca a modelo Thaíse, remetendo a experiência negativa que teve com a quiromante, no início do ano. A jovem está certa. De acordo com a lei, colar este tipo de cartaz, popularmente chamado de “lambe-lambe”, é crime, assim como qualquer poluição visual de árvores, postes, canteiros, entre outros.
